8 de dez. de 2010

Verso Calado

Eu faço verso sim assim calada
calada, não me importo não

Se estava aqui quando eu parei de ouvir
a minha própria voz

E passei a sentir só a emoção de nós
E passei a ouvir só dois corações à sós

Nossa canção que é tão é tão falada
foi toda feita à mão

Tiragem única patenteada
e tinta de coração

Mas passei a sentir só a emoção de nós
E passei a ouvir nossos corações à sós



(musicada)

Acima de tudo

Se falar alto comigo eu brado
também não dou corda a resmungo
mas diante da verdade me calo, fico mudo

Se você me disser de estalo
qualquer coisa que eu ache absurdo
diante da verdade eu faço de silêncio, o minuto

Se me julgam mal pago caro
se me dizem não, jogo duro
mas diante de uma verdade sou só humildade, te juro

Da verdade ninguém se esconde
a verdade acima de tudo
a verdade acima das mentes que pensam mover o mundo






Crônica do irônico dilúvio

Trabalho em Seropédica, terrinha simples, vizinha ao Rio de Janeiro. Lá muitas pessoas ainda criam bichos nos quintais. São porcos, galinhas, patos...

Bem, ontem à noite choveu muito mesmo por lá, alagou tudo, lágrimas...

Mas precisavam ver... A alegria dos patinhos, pela manhã, nadando naqueles lagos barrentos de sonhos perdidos, dolorosas ilhas de água e alegria de patos, cercadas de perdas por todos os lados. Os bichinhos pareciam anjos num paraíso de lagos: instantâneo presente de Deus.

Os animais são poetas.




A velha rima

Dói um sentimento
mesmo sendo o oposto da dor
o choro é transbordamento
de quando não cabe mais tanto amor

Essa é nossa velha rima
amor com dor, que nos assola
mas a rima do coração
é o perdão, e isso consola

Agora calma, que quando doer
vai poder rimar com aprender
e disso você vai lembrar
e ao lembrar irá crescer

E se de nada adiantar
se o coração nada aquecer
se do peito a dor não sarar
ainda há chance de esquecer

E de todo aquele choro
de uma história que termina
de dor de amor que nos refina
ficará só a lembrança
pois vem bênção lá de cima
na palavra esperança
filha do tempo
fecha a rima



5 de dez. de 2010

Samba da rua

Minha rua não tem sentimento
minha rua não tem distração
ali só vejo concreto, cimento
e a dúvida na direção

Minha rua não tem o alento
Que viria de qualquer canção
ali só vejo engarrafamento
de dúvidas no coração

Minha rua não tem as meninas
que juntas, sambando no chão
minha rua só se ouvem buzinas
duvidando da solidão

Minha rua não tem namorados
anda fechado o meu portão
e de cima só se veem telhados
que duvidam da iluminação

Se essa rua falasse, diria
Preciso de samba, preciso de cor
e quem sabe, se no carnaval
não passa um bloquinho chamado amor



3 de dez. de 2010

Inteira

Em vez do lance de ficar achando
que vai ser sempre alguém completo
melhor já ir me entregando
despedaçado, estarei repleto

Sentimental por todo meu corpo
tudo que tenho está em seu nome
me doei pra me sentir inteiro
e desejei pra não morrer de fome





Enamorado

sentir raiva do mundo
é o amor sentido
sentir sede de tempo
é o amor pedindo
sentir ódio na veia
é amor repelindo
sentir frio no ato
amor desassistido
sentir cair em pranto
amor arrependido
sentir o cotovelo
amor foi corrompido
sentir o meu desprezo
amor envaidecido

sentir calor no peito
amor apaixonado
sentir amor em tudo
amor quer ser amado
sentir fome de vida
amor desesperado
sentir fome de vida
amor desesperado!



Desatino

Danou de escrever versos
sortidos, multifacetados,
plurais

Revelou seu verso tal libido
de impulsos, cios
animais

Não desejou ser querido,
nem considerado
audaz

Quis soltar versos selvagens
de suas jaulas
banais

Quis pôr seus versos em guerra
contra esta suspeita
paz



Caducamos

Sim, virei poeta do mundo caduco
tarde demais, Drummond

Tantos poemas a dizer e você
nem olha (pra mim nem pra trás)

Atarefados estamos, muito atarefados
mergulhados no marrom e alaranjado
esse tal cotidiano das grandes metrópoles (armados)

e entre surtos psicóticos e grandes estados de plenitude, o ágape:
sen......ti......men......to.......!
azul...
e suave...
-espremidoentrenuvensdecaosesons-
confusas imagens, rápidas, passam loucas!

Ah, mundo caduco, me deixa descansar meu coração!



Soneto para Vinícius

Poetinha carioca da Bahia
é sabido o quanto o negro te atrai
é sabido o quanto uísque se esvai
e que rainha Iemanjá é que te guia

Poetinha branco da alforria
do verso preto, que do teu peito sai
soneto! Que conduzindo ao leito, vai
te levar a mais amar em agonia

Ah poeta, ouvir teu canto declamado
aremata-me o seio de forma tal
que pelo mal do amor estou guiado

Ah, poeta, teu verso apaixonado
colou em meu pranto como o sal
do mar de amor que cantas ao ser amado



1 de dez. de 2010

Palavras no tempo

No tempo, longo espaço
de quando a palavra mal chega, chega fraca...
Ele a apaga, te faz esquecer o que ia dizer

Quando a palavra alcança, bem chegada
ele muda o mundo e a palavra
a que era boa chega chata
a que era má já bem agrada...

Tantas ainda virão; de amor ou mágoa
O que será mais forte? O tempo ou a palavra?



Comoção Pública

Não deixe que te enganem
sofrenndo assim não se aprende
a gente já nasce sabendo
e esquece depois

eles te convenceram
que para se comover
é preciso esmolar esse prato
e feijão com arroz

enquanto eles se alimentam
de toda essa fome no mundo
te fazem acreditar
estar mais perto de Deus

e eu tento aproveitar
todo e qualquer segundo
pra te lembrar que esse mundo
também é seu

Você é o que trabalha duro
e sua com a sua enxada
e na verdade não lutou por nada
não os convenceu

Sinto muito se te enganaram
se no frio não se aprende
se a fome não engrandece
só te emburreceu

Como ato heroico de soldado
que morre pela pátria amada
e conservou o velho sistema
de nada valeu

Se você cresce pensando
que quem vive e segue penando
é o seu grande exemplo
já se entorpeceu

Continua lotando as igrejas
e elegendo seus falsos heróis
sem buscar uma outra verdade
calada a voz.



Sobre sentir

Que tipo de amar é esse
Se aceita só as aparências
apenas casca colorida
enquanto eu busco essência

Quer valer o tanto que sabe
e praticar o que aprendeu
viver o momento que leu
eu busco algo na ausência

E quando meus olhos se pintam
da cor que o céu bem entende
e cada hora é a mais bonita
lua calma, sol poente...

Eu sei do que faço parte
Onde me encaixo realmente

   Eu só busco a verdade
   como coisa que se sente
   quando ignoro o que há na frente
   e tudo o que se vê

   Daí resta a verdade
   que é isso que eu sinto
   o prazer de estar vivo
   só de olhar pra você

(2005)

Para Bens

Parabéns! Quanto você ganhou
Parabéns, vamos respeitar
admiração, reconhecimento
depende de quanto vai pagar.
Quanta coisa você comprou
avião, honra e celular
sorrisos, e alguma dor
pra ter do que reclamar.
E assim, com tudo isso
ninguém vai te enxergar
está encoberto por aquilo
que conseguiu arrecadar.
Beleza é fácil, educação...
cultura, muito viajar
Alemanha, Rio, Sudão,
casa de campo ou mar.
Vazio? Que vazio?
Sente alguma solidão?
Basta ganhar mais dinheiro
comprar mais um carro, ou irmão.
Terá enfim, quem confiar:
"dê-me todo o seu dinheiro
pra investir no melhor fundo
com a melhor intenção"
multiplicar te fará rir
do que tem embaixo do colchão
do que tem em tantos bancos
tantas cartas na mão
e na manga da camisa
"Por aqui senhor, obrigada,
Mastercard, American, Visa?"
gastando e se distraindo
quem você ama vai ter tudo
o tempo passa, você sorrindo
filhos e netos sortudos
tem herança, patrimônio
não é eterno mas vai pro céu
pois já pagou até o demônio...

(2005)

21 de nov. de 2010

Fosforescência

Não reconheço esses castelos
donde supões tantos desejos
não legitimo a realeza

Só reconheço o sonho bom
quando você dorme em mim
sou eu seu palacete, minha alteza

Não vejo no raiar do dia
tamanho brilho nem clarão
maior que nossa luz: fosforescente

Toda paisagem no mundo
bem sei, vem duma ilusão
do belo estar fora da gente



Passe(i)ata

A vanguarda, cansada
guarda a alma

numa caixa bem guardada
sob a guarda da calma

Tanta gente indignada
cada qual faz sua cama

cobrindo-se com véus de nada
entre lençóis de inerte chama

Do fogo saem conservadas
de seu grito ninguém reclama

de tal sociedade que, alarmada
ainda se porta como dama



Solo

Meu caminho individual
tem que ser bem traçado
e foi difícil aprender
a fazer este desenhado
tentando superar você
pra não ter que te admirar
descobrir qual é meu sonho
pra do teu me desligar

Descobrindo que até sou bela
embora uma flor comum
cumprindo a missão singela
de florescer pra amor nenhum

Mas no tempo do coração
logo, logo bate o convite
para que após a batalha
outro amor nele palpite

Coração é solo fértil
para a flor que era triste
e desabrocha bem mais bela
quando o amor nela insiste



Banho de mar

A onda do mar
tanta história tem pra contar
tantos carinhos
tantos naufrágios de amor
vão nela se banhar

Ai onda do mar
venha logo me acariciar
tem tanto sal
de tanta lágrima rolar
vão nela se juntar

Oi onda do mar
que vai e logo se vê voltar
tantos amores
que com seu jeito ondular
vão se identificar

Ei onda do mar
pondo amantes a balançar
tantos romances
declarados ao teu luar
vão pra ela abençoar

Na onda do mar
mergulhar no amor e descobrir
que não tem mais onde
nessa maré se segurar
à deriva do amar


Sem razão

Amiga, noiva, irmão
filha, hora de acordar
Você mal abre os olhos
e já tem alguém pra amar

Cada pessoa ao nascer
é um novo raiar pro dia
neste velho recomeço
de uma nova sinfonia

Desespero em viver?
Não saber o que esperar
Você mal chega ao mundo
e tem um preço a pagar

Mas em segundos, dias correm
A vida dança a melodia
recebendo ou se entregando
na mesma coreografia

  Não explique o amor
  Nem explique o perdão
  A razão de eu te querer
  é não ser por razão

  Não entenda o amor
  nem receita ou instrução
  A razão de eu te beijar
  é ser de tão bom...


Flutuar

Seu olho para no meu
desnudando os meus erros
sorriso mal amadureceu
e vem o arrepio nos pelos
mal consigo me lembrar
sequer penteei os cabelos

Se você souber que eu viro
um astronauta meio perdido
no espaço, desvendando
o sideral do teu umbigo
e só por navegar seu rosto
fico desprotegido

Se você me flagrar caindo
em seu corpo movediço
foi culpa daquele olhar
certeiro, sem improviso
que me afunda devagar
doce, lento, leve e liso

Posso não mais saber voltar
desse seu mágico abismo
da violenta felicidade
levei um soco preciso
que me afogou no sangue saído
da veia do paraíso

Até virar canção

Nos deixamos ficar por ali mesmo
onde o caminho nos parou
juntando rimas no selar do beijo
e por trás do vidro chuva se afinou
arranjo som de mar e relampejo
quase amar é ensaiar com o desejo

Notas da ventania e acordes temporais
nossa partitura
Perguntamos, pelas tantas, que falta faz,
onde andaria a lua?
astro maior da poesia, que dirás
a minha e sua
a noite abandonou

Mas eis que nasce o Sol
nas claves da melodia
que acompanhou,
nos brilhou brilhou brilhou brilhou!